23 de set. de 2009

A Descoberta de um Deus de Todos - Parte II


Nota: "Esta é mais uma parte da série de contos que estou escrevendo sobre a igreja e o cristinismo em geral e também sobre coisas e pessoas que rodeiam esse universo."


- Parte I - Parte II

Domingo por volta das dezessete horas era sempre a mesma rotina quase como um ritual não celebrado, aquela ultima olhada no espelho para ver a gravata e o cabelo e de relance olha para baixo e sorri contente pelo lustre que conseguiu no seu sapato preto. Manoel sai em disparada pega sua bíblia e corre para igreja que fica a duas quadras de sua casa, ele não quer chegar atrasado para poder ter tempo de orar antes do culto começar, assim como faz costumeiramente desde que se tornou presbítero e principal auxiliar do pastor de sua congregação.

Manoel tinha seus vinte e sete anos e vez ou outra em suas pregações dava seu testemunho sobre como encontrou Jesus nesta mesma igreja há doze anos e de como foi liberto das drogas.
Manoel reconhecia-se como um homem de fé e via na igreja a estrutura necessária e essencial para que as pessoas encontrassem Jesus, assim como também manifestassem seus dons ministeriais. Também acreditava que com a força da igreja como corpo de Cristo era possível mudar a situação social e espiritual de sua comunidade.
Apologista, cria que a bíblia era a palavra de Deus e que realmente ela servia para regrar a vida do crente e com essa premissa ele sempre estava disposto a combater heresias e orientar quem precisasse.
Após o culto ele esperava todas as pessoas que estavam no local saírem fazendo questão mostrar-se receptivo convidava a todos com um sorriso no rosto a voltarem no próximo culto.

Sem pressa começou a lembrar-se do dia em que conheceu Joaquim. Era verão e lembrou-se de ter sido padrinho de casamento de um amigo em comum dos dois, logo na festa fora apresentado a Joaquim e sua namorada Isabel.
Lembrou-se de ter simpatizado com o casal e como estava sozinho na festa e não conhecia ninguém além do noivo e o recém apresentado casal, então diante disso pediu para que compartilhassem a mesma mesa com ele.

- Eu sou evangélico e presbítero de uma igreja local – disse-lhes, Manoel com toda sua convicção.
- Nós não temos religião, apesar de que a Isabel trabalha em conjunto com um centro espírita numa obra social e às vezes ela vai a algumas reuniões onde se encontram médiuns e outras pessoas mais pró-ativas na doutrina espírita – disse Joaquim de forma mansa e despretensiosa.

Resignado e de olhos cerrados, Manoel encarou os dois pesando-os em sua balança moral e está balança tendeu ainda mais para o lado negativo quando soube que os dois viviam juntos em um pequeno apartamento não tão longe de sua igreja. E no desenrolar da conversa apegou-se na idéia de que Joaquim era mal influenciado por Isabel, ora uma espírita com um rapaz que teve uma educação evangélica é a mesma coisa que deixar o joio se enroscar no trigo até que o joio mate o trigo, concluiu.

A língua apologética de Manoel coçava para sair da boca e dizer sobre culto aos mortos e de como aquela mulher queimaria no inferno. Mas se segurou por acreditar que ali não seria o local adequado para se iniciar uma discussão desse tipo. Imaginou que poderia marcar com o casal num lugar mais reservado e assim investir na alma dos dois, pois tinha fé que esse seria o seu dever e que se não fizesse isso no dia do juízo ele seria cobrado por essas almas.
- Gostei muito de vocês e quero convidá-los para ir a minha igreja o pastor me deu uma oportunidade para pregar no culto da mocidade – disse um Manoel amistoso.
- Faremos o possível para ir – prontamente respondeu Isabel.

Durante a semana Manoel leu diversos estudos bíblicos sobre santidade entre casais e espiritismo e juntou vários versículos correndo sua leitura entre velho e novo testamento. Acredita que se estivesse fundamentado na palavra certamente após a pregação no apelo que faria os dois se arrependeriam, levantariam suas mãos e aceitariam a Jesus. Afinal a verdade que ele iria propor em sua pregação seria irresistível a qualquer um.

No dia do culto seguiu-se o mesmo ritual não celebrado de todos os dias e chegando a sua igreja debruçou-se no grande púlpito. Manoel ficava atento e esperançoso de ver o casal adentrar o salão com bancos de madeira enfileirados, paredes azuis e lindas portas de vidro que isolavam o som dos cultos mais inflamados onde os irmãos exerciam toda a sua “pentecostalidade” .

O culto começou e o louvor seguiu seu andamento dirigido por seu ministro que acabará de pedir alguns améns e outros aleluias entre o pedido para que a igreja ficasse de pé, afinal era um culto de mocidade e os louvores eram bastante ritmados e requeriam acompanhamento com palmas.

Manoel sentado em uma cadeira de madeira centralizada no púlpito avistou Joaquim entrando na igreja sozinho e procurando um dos últimos lugares ao fundo.

- Isabel realmente não quis estar aqui por que é espírita e também o maligno não permitiria perder uma serva sua, era uma batalha que travarei mais tarde, mas agora Joaquim parece estar disposto a se arrepender de seus pecados e hoje é o dia para isso – murmurou Manoel de força indecifrável, mas audível.

Manoel pregou impiedosamente contra o pecado, contou sobre as obras malignas do diabo e seus seguidores tal como o espiritismo e ainda arrumou tempo para pregar sobre fornicação.
Ao fim de sua pregação e uma oração feita para que Deus estabelecesse sua palavra sobre todos ali estavam ele começou seu apelo e fitou seus olhos em seu alvo.
O apelo durou quinze minutos e nada de mãos estendidas, então ele decidiu ter uma conversa após o culto com Joaquim.
Término de culto e Manoel correu para alcançar Joaquim, a tradição de dizeres de paz e mão estendida com sorriso para todos os irmãos pós-culto fora quebrada.
Enfim, Manoel e Joaquim iniciaram seu dialogo.


Continua ...


Se ainda não leu leia: A Descoberta de um Deus de Todos - Parte I

2 comentários:

Anônimo disse...

O nível de detalhamento psicológico dos personagens é muitíssimo interessante.
Engraçado que já vi esse filme e representei os dois papéis.

Mas hoje, meu papel seria daquele que diz: tudo isso é trivial. Deus, a fé, Cristo, a igreja... Tudo isso é desimportante. Clichê? Talvez, conheci tardiamente algumas coisas, e passei a concordar com Marx quando argumenta sobre a preocupação de filósofos idealistas: caríssimos, essa não é a pauta do dia, a menos que queiram "sublimar" todos os grihões da vida real".

Ok, ele não disse assim, mas é o que penso disso hoje. Diz-se que a religião ou uma fé serve para muitos mudarem suas vidas, é provável que seja, a força de conversão religiosa em presídios, favelas ou outras locais de violência e ausência de dignidade é grande.

Mas resolvi assumir minha fé no homem, minha crença de que não é preciso esperar a morte para experimentar o paraíso ou inferno. Esses conceitos sempre estiveram vivos aqui mesmo. E se Deus existe (e no meu coração, Ele se mantém, visto que ainda creio em forças providenciais), Ele deve transceder todas essas explicações demasiadamente humanas que damos para sua existência ou inexistência.

E como diria Leminski, fico cá com essa vida terrena e seus pernilongos, seus percalços. Hoje clamo no deserto sobre a ignorância material e política em que estamos metidos. Todo esse modo de "vida" em que no máximo se sobrevive sendo espoliado diariamente pelo Estado, seus representantes, mercado, enfim, a Ditadura do Capital que diz na TV "que seu voto é sua arma" e sente que já praticou a justiça! E nós bem sabemos que votar certo ou errado dá no mesmo.

Enfim... acho que estamos em trincheiras diferentes mas a lealdade para com os homens é a mesma, né?

p.s.: Davi cresce lindíssimo e com os olhos de pitomba mais espertos que já vi! Sol deve estar ensinando-o todos os dizeres da terrinha! Um forte abraços na trindade querida!

Helen Araújo disse...

Obrigada pela visita ano blog (já conhecia o teu), me senti importante, sério rs

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