“NÃO PRONUNCIARÁS EM VÃO O NOME DO SENHOR” (Dt 5, 11)
Os últimos dias nos levam de volta a esse mandamento. Assistimos a cenas que imaginávamos já sepultadas no túmulo da história. Quando a certa gente já não parece tão “moderno” ser religioso e muito menos fiel obediente a rituais e preceitos de Igreja, tidos por retrógrados e autoritários, vem o inesperado.
Candidatos piedosamente em cultos, a buscar companhia e “conselhos” do clero, com a Bíblia para alcançar a sabedoria de Salomão, com devoção à corda do Círio de Nazaré, de manhã na missa, de tarde no culto, sem deixar de passar de noite pelo terreiro para tomar o passe, mas sem se recusar a carregar a imagem “aparecida”, sem se descuidar, porém, de “abençoar” os fieis com outras nossas senhoras, que é bom não desprezar nenhuma, pois nunca se sabe das disputas de poder no céu. Parecia até personagens de Guimarães Rosa, garantindo bênçãos de todos os lados, uma só não basta.
Doutro lado, vimos, com espanto, bispos e padres católicos e pastores evangélicos a espalhar folhetos às toneladas. Já estávamos até habituados a conselhos mais pedagógicos, discretos e sutis, com argumentos bíblicos consistentes e análises sólidas e respeitáveis da realidade do país, como aquelas da Campanha da Fraternidade a cada ano.
Desta vez, porém, o espetáculo foi lamentável. O papel de liderança religiosa sofreu em respeitabilidade, baixou de nível. Já não se tratava de ajudar fieis e a sociedade em geral, de forma séria e desapaixonada, a refletir com lucidez e responsabilidade sobre projetos políticos em debate e padrões éticos. (Em)prestaram-se a servir de cabos eleitorais. Como se de repente, dos subterrâneos do Estado, que se quer laico e democrático, brotasse erupção de raivosos instintos teocráticos.
Quem sabe, esse comportamento é só sintoma de “algo de podre no Reino da Dinamarca”. Religião e Igreja parecem cair na vala comum do “mercado” que degrada a fé a mercadoria, espetáculo rentável, junto da Bíblia entronizado o número da conta bancária (qual das duas a mais importante?). Estaríamos longe da situação exorcizada por Jesus ao gritar “covil” (Mc 11, 17) e “raça de serpentes” (cf.Mt 23)? A baixa qualidade do espetáculo sempre depende do baixo nível do elenco, ao beirar charlatanismo, curandeirismo, exploração da credulidade pública, ilusionismo mágico.
Em lugar de comunidades, como se vê na Bíblia, massas eventuais, disponíveis a se deixar manipular por emoções fortes de consolo imediato e por líderes e ideologias autoritárias. Orações para agradecer privados interesses satisfeitos e até o fruto da corrupção…
Como arvorar-se em profetas da defesa da vida e arautos de anticorrupção sem humildade para enxergar a trave nos próprios olhos e em casa, e sem misericórdia face ao desespero de quem é mais débil? Por isso não admira que se manipule sem pudor o sagrado valor da defesa da vida e se confunda de propósito defender a vida das mulheres pobres, obrigadas a abortar, com legalização pura e simples do “direito” de abortar; confunda-se “casamento” de homossexuais com “união civil” para garantia de direitos… Em meio a tanta confusão, não é de estranhar que estejamos em plena idolatria a tomar o Nome de Deus em vão, como se fosse ídolo. Ídolo é coisa vã, ilusão, criado em proveito de interesses inconfessados.
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Dom Sebastião Armando, Bispo da Diocese Anglicana do Recife, em artigo publicado no Jornal do Comércio (28 de novembro).
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